Segundo os novos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) sobre educação, divulgados na manhã da quarta-feira, 19/06, quase um quarto dos jovens brasileiros (23%) nem estuda e nem trabalha. O porcentual é ainda mais alto na faixa etária que vai dos 18 aos 24 anos, idade em que, teoricamente, deveriam estar na universidade, chegando a 27,7%.
A pesquisadora Marina Águas, analista da Coordenação de Trabalho e Rendimento (Coren) do IBGE, responsável pela apresentação da pesquisa, pediu: "Mas não chamem esses jovens de 'nem, nem'. O fato de nem estarem estudando, nem trabalhando não significa que sejam inúteis. Uma grande parte das mulheres, por exemplo, está ocupada com o trabalho doméstico, com o cuidado de idosos e crianças. Há questões de gênero importantes por trás dessa estatística".
Quem conhece bem essa realidade é a família Santos. Naturais do Recife, os gêmeos Maurício e Maurílio dos Santos, de 29 anos, já tiveram três filhos cada um. Por isso, suas mulheres tiveram que largar os estudos e os trabalhos para cuidar dos filhos e da casa. Elas ainda aceitaram morar em cima da casa da sogra, no bairro do Pina, zona sul da capital pernambucana, para se livrar do aluguel e fazer com que o pequeno rendimento dos maridos dure o mês inteiro.
Karla Campos da Silva, de 29 anos, admitiu que o que queria mesmo era trabalhar como enfermeira e ter uma casa própria. Esse sonho, no entanto, ficou pelo caminho quando engravidou de Maurício, sem planejar, aos 18 anos. A dona de casa, depois da gravidez, até chegou a concluir o ensino médio, mas nunca teve condições de começar o curso de enfermagem que tanto queria. A mesma contou que: "Moro aqui porque as contas são apertadas. Eu estava no segundo ano do colégio, mas desisti porque não tinha com quem deixar a bebê".
Então, ela partiu, com a primeira filha pequena, para outras ocupações. Não demorou muito para sair do trabalho, pois engravidou novamente. Karla, que hoje é quem cuida dos filhos de 11, 7 e 4 anos e da casa, argumentou que: "Com três filhos fica impossível arrumar um emprego. Não dá para pagar creche para três. E também não sobra tempo para estudar".
Para pagar as contas, ela depende do salário do marido, que é balconista de um supermercado. A cunhada Jéssica Cândido de Souza, de 28 anos, por sua vez, não tem a mesma sorte, pois o marido não tem um emprego fixo. Maurílio vive de bicos. Por isso, nem sempre consegue pagar as contas de casa, onde Jéssica passa o dia cuidando dos três filhos, de 11, 4 e 1 ano de idade, e dos afazeres domésticos.
Jéssica, admitindo que já teve que pedir ajuda à família e aos amigos nos dias mais críticos, quando chegou a faltar até comida dentro de casa, disse que: "Queria trabalhar para ajudar. Faria qualquer coisa. Mas não consigo. Minha vida é cuidar dos meninos e limpar a casa. Não voltei para a escola, pois não tinha com quem deixar o bebê".
Jovens
De acordo com a Pnad, o Brasil tem 47,3 milhões de jovens, de 15 a 29 anos de idade. Desse total, 13,5% estavam ocupados e estudando; 28,6% não estavam ocupados, porém estudavam; 34,9% estavam ocupados e não estudavam. Finalmente, 23% não estavam ocupados e nem estudando. Os percentuais aferidos em 2018, segundo os pesquisadores, são similares aos de 2017.
A pesquisadora sustentou que: "É importante ressaltar que elevar a instrução e a qualificação dos jovens é uma forma de combater a expressiva desigualdade educacional do País. Além disso, especialmente em um contexto econômico desfavorável, elevar a escolaridade dos jovens e ampliar sua qualificação pode facilitar a inserção no mercado de trabalho, reduzir empregos de baixa qualidade e a alta rotatividade".
Quando aplicado o recorte por raça e gênero a desigualdade se revela ainda mais acentuada. Entre as pessoas brancas, 16,1% trabalhavam e estudavam - mais do que entre as pessoas autodeclaradas de cor preta ou parda (11,9%). Os percentuais de pessoas brancas apenas trabalhando (36,1%) e apenas estudando (29,3%) também superou o de pessoas pretas e pardas, 34,2% e 28,1%, respectivamente. Consequentemente, o porcentual de pessoas pretas ou pardas que não trabalhavam e nem investiam em educação é de 25,8%, 7 pontos percentuais mais elevado que o de brancos.
O problema se repete de forma ainda mais grave quando se compara homens e mulheres. Entre as mulheres, a pesquisa mostrou que o porcentual das que não trabalhavam e nem estudavam era de 28,4%. O de homens é bem menor: 17,6%.
Parte da explicação para este fenômeno está nos trabalhos domésticos, segundo a pesquisadora. A realização de afazeres domésticos ou o cuidado com outras pessoas foram os motivos alegados por 23,3% das mulheres para não estarem estudando e nem trabalhando. Entre os homens, esse porcentual é de meros 0,8%. Os números se mantêm estáveis desde 2017.
Como exemplo, Águas cita um outro indicador levantado pela pesquisa. Pela primeira vez, a Pnad Contínua divulgada na quarta (19/06) aferiu a frequência às creches, entre crianças de até um ano de idade (a educação é obrigatória no Brasil a partir dos 4 anos). No total, somente 12,5% frequentavam a creche. E os piores índices estavam, justamente, no Norte (3,0%) e no Nordeste (4,6%) - lugares onde a participação das mulheres no mercado de trabalho também é mais baixa.
Analfabetismo
O Brasil tem 11,3 milhões de pessoas (com 15 anos ou mais) que são analfabetas, uma taxa de analfabetismo de 6,8%, segundo a Pnad Contínua. Em relação a 2017, houve uma queda de 0,1 ponto porcentual, o que corresponde a uma redução de 121 mil analfabetos. Mais uma vez, os negros são mais afetados que os brancos: são 9,1% contra 3,9%.
O analfabetismo no País está diretamente associado à idade. Quanto mais velho o grupo populacional, maior a proporção de analfabetos. Isso reflete uma melhora da alfabetização ao longo dos anos. Segundo os números de 2018, eram quase 6 milhões de analfabetos com 60 anos ou mais, o que equivale a uma taxa de analfabetismo de 18,6% para esse grupo etário.
Maria Águas afirmou que: "Em geral, a taxa de analfabetismo vem caindo e a situação melhorou para o Brasil todo. O que a gente observa é uma questão de idade importante, um componente demográfico. Com esse grupo mais velho falecendo, a tendência é cair ainda mais".
A proporção de pessoas, no Brasil, de 25 anos ou mais que finalizaram a educação básica obrigatória, ou seja, concluíram, no mínimo, o ensino médio, manteve uma trajetória de crescimento e alcançou 47% da população. O estudo chama atenção para o porcentual de pessoas com o ensino superior completo que passou de 15,7%, em 2017, para 16,5%, em 2018.
9,3 anos é a média de anos de estudos dos brasileiros - um número que vem crescendo, em média, 0,2 ao ano. A diferença em relação à raça permanece. Os brancos têm 10,3 anos de estudo contra 8,4 dos negros. As diferenças regionais também acentuam a desigualdade. O número mais baixo é no Nordeste, 7,9, e o mais alto no Sudeste, 10,0.
Rede Pública
Na creche e na pré-escola, a rede pública de ensino formou 74,3% dos alunos. O porcentual aumenta no ensino fundamental, chegando a 82,3%. No ensino superior, no entanto, a situação se inverte. A maior parte dos alunos é formada por escolas privadas, 74,2%.
A pesquisadora constatou que: "É natural que tendo cada vez mais gente com o ensino médio completo haja uma pressão para a expansão do ensino superior. E quem tem a maior capacidade de resposta é a rede privada".