Para aprovar a liberação do porte de armas, a gestão Bolsonaro já estuda um "plano B". Apesar da pressão do presidente da República, o Senado derrubou, por 47 votos a 28, os decretos de 7 e 21 de maio que flexibilizam as regras para o porte.
Foi a maior derrota imposta pelo Senado ao governo. Antes da votação, Bolsonaro usou redes sociais, eventos públicos e entrevistas para pedir votos a favor da proposta. O presidente ligou pessoalmente para senadores e, nessa última terça-feira (18), disse: "Não deixe o projeto morrer".
A líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), afirmou: "Temos de buscar uma alternativa, retirar um ponto ou outro, mas manter a espinha dorsal".
Há duas estratégias em curso no governo: a primeira é de avançar projetos de leis que já estão em tramitação no Parlamento. Um deles seria do ex-senador Wilder Morais (PP-GO) que permite a posse de arma em toda propriedade rural e não só no imóvel.
Outra estratégia é questionar no Supremo Tribunal Federal (STF) a decisão do Congresso. Parlamentares governistas alegam que os decretos legislativos que tentam barrar as mudanças discutem o mérito da proposta e a possibilidade de o presidente decidir sobre isso.
Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, disse "ter certeza" de que o STF vai julgar, na semana que vem, procedentes os decretos. Porém, a Corte já impôs derrota ao governo ao impedir que Bolsonaro acabasse com conselhos federais por decreto.
Na última terça-feira, o presidente falou em uma alternativa, sem precisar da aprovação legislativa: determinar ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que a Polícia Federal não dificulte a posse de armas em casa. O mesmo afirmou que: "A Polícia Federal está sob meu comando. No Brasil, o grande 'reclamo' do pessoal do passado era com a PF, na questão de comprovar efetiva necessidade (quando o interessado explica porque deveria ter a arma)…Como presidente, isso vai ser atenuado."
Porém, no Twitter, Bolsonaro ainda fez novo apelo à Câmara, pedindo que respeitem o "legítimo direito à defesa". Se confirmada a queda dos decretos, segundo as assessorias do Executivo e do Legislativo, restará em vigor apenas o primeiro decreto do presidente relativo ao tema, de janeiro - sobre posse de arma em casa ou estabelecimento comercial.
Debate
Senadores criticaram, na última terça, o modo como a questão chegou ao Congresso. A senadora Kátia Abreu (PDT-TO) disse que: "O Senado não se intimida com esse bombardeio de robôs, de maníacos, reacionários, que acham que não é através do diálogo, da lei e da polícia que se resolvem as coisas. Que o presidente arme e treine os policiais, porque não podemos permitir que as pessoas cuidem sozinhas das próprias vidas".
Parlamentares contrários, com base em parecer jurídico da consultoria do Senado, disseram que o Planalto extrapolou suas prerrogativas. O texto, diz a consultoria, tem nove pontos inconstitucionais e abre brechas para facilitar o acesso a armas. O decreto permite, por exemplo, que envolvidos em "atividade profissional de risco" e sob "ameaça à integridade física" tenham arma, o que inclui até advogados e jornalistas.
Dez senadores discursaram a favor e contra, antes da votação. Entre os defensores estava Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, que passou o dia telefonando para colegas e fez um dos discursos mais enfáticos. "O projeto de decreto legislativo (de anular a regra do presidente) é flagrantemente inconstitucional." O discurso foi interrompido por manifestação do deputado Pastor Sargento Isidório (Avante - BA), que levou cartaz com a frase "Armas não, livros sim" e angariou votos contrários com uma Bíblia na mão.
Flávio, em resposta, disse que: "Vamos falar pra mulher estuprada que ela pode atirar um livro na cabeça do estuprador e não dar tiro para defender sua vida e integridade física".
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-CE), afirmou que: "A defesa de sua política de segurança foi o que permitiu ao presidente ter a expressiva votação que teve." O senador Renan Calheiros (MDB-AL) destacou publicação em rede social, na última terça, do guru do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho, dizendo que: "O Parlamento só existe para impedir que a vontade do povo prevaleça. O que está na raiz desta decisão é se o presidente pode continuar governando por decreto".
O partido do presidente (PSL), com apenas 4 votos no Senado, votou unido para manter os decretos, mas as posições de MDB e PSDB foram fundamentais na derrota. Mais à noite, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), sugeriu que o Congresso discuta em conjunto um projeto de lei, mas "em relação à posse de armas".