Os chamados feminicídios, aumento dos casos de assassinatos de mulheres no Brasil, foi debatido em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), na última segunda-feira (17). O pedido da audiência pública foi assinado pela senadora Leila Barros (PSB-DF) e pelo senador Paulo Paim (PT-RS), presidente do colegiado.
Paim, ao abrir a reunião, ressaltou que o problema não se refere somente às mulheres e afeta toda a sociedade. Ele citou números fornecidos pela Secretaria da CDH, segundo os quais, em 76% dos casos de feminicídios, os agressores são o atual ou o ex-companheiro das vítimas, motivados pelo inconformismo com o fim do relacionamento.
O mesmo disse que: “Os dados são alarmantes e até pedi confirmação da assessoria para saber se é isso mesmo, porque é muito preocupante: a cada dois segundos, uma mulher é agredida no país, e isso se refere a todo tipo de violência”.
Pesquisas
De acordo com estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), a cada dez feminicídios registrados em 23 países da região em 2017, quatro ocorreram no Brasil. Naquele ano, pelo menos 2.795 mulheres foram assassinadas, das quais 1.133 no Brasil.
Publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Atlas da Violência 2018 apontou uma possível relação entre machismo e racismo: a taxa de assassinatos de mulheres negras cresceu 15,4% na década encerrada em 2016. Ao todo, a média nacional, no período, foi de 4,5 assassinatos a cada 100 mil mulheres, sendo que a de mulheres negras foi de 5,3 e a de mulheres não negras foi de 3,1.
Autoridades
Alessandro Moretti, secretário executivo da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, informou que 84% dos crimes contra mulheres ocorrem dentro das residências, e que esse detalhe dificulta o trabalho repressivo da polícia. Ele também apontou como principal motivação para esses atos, em cerca de 60% dos casos, o sentimento de posse do homem sobre a mulher, o que ocasiona ciúme excessivo e brigas.
Moretti comentou, entretanto, que é baixo o número de queixas formalizadas sobre ações de violência contra mulheres no Distrito Federal. São 23 denúncias a cada 75 feminicídios, disse ele, explicando que a Secretaria de Segurança do DF está em fase de contratação de uma empresa especializada para realizar um estudo sobre essa estatística. O secretário reconheceu que os órgãos competentes apresentam “uma grave falha” no diagnóstico preciso, mas considerou, no entanto, que o sistema de Justiça, de modo geral, “vem funcionando bem”.
Ele salientou que: “Temos coisas para aprimorar, por exemplo, que os juízes se tornem preventos nos casos de violência contra a mulher, a fim de se criar uma identidade para essas situações”.
Rodrigo Capez, representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), destacou que a principal diferença entre o homicídio comum e o feminicídio é o fato do assassinato de mulheres ser um crime de difícil prevenção, mas de fácil identificação da autoria. Segundo ele, essa percepção torna clara uma “necessidade dramática” de atuação do poder público em campanhas e medidas de prevenção.
O mesmo afirmou: “Nós temos uma cultura de patriarcado, de dominação do homem sobre a mulher e isso não é recente, nem é um problema específico do Brasil. E uma das principais formas de prevenção do feminicídio, na minha avaliação, são os formulários de avaliação de risco, utilizado para conscientizar a vítima sobre o grau de perigo ao qual ela está exposta e medidas para protegê-la”.
Reflexões
Soraia Mendes, coordenadora do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), destacou a relevância dos dados e das investigações sobre as mortes de mulheres na elaboração de políticas públicas efetivas. Ela também chamou atenção para as universidades, enquanto produtoras de conhecimento, e para o que considera responsabilidade da imprensa nessa discussão. Para a especialista, o assunto envolve “uma masculinidade tóxica, em um país violento”.
Ela alertou: “Precisamos falar sobre isso: as mulheres estão morrendo neste país. Nós somos ainda nomes em lápides, temos nossos corpos, mentes, psique e patrimônio maculados pela violência e não é à toa que a Lei Maria da Penha fala nisso. Não é um problema localizado, mas de uma nação toda”.
A promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia e representante da Comissão de Direitos Fundamentais do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Sara Gama Sampaio, disse que o feminicídio é um crime evitável. E isso pode ser comprovado, segundo ela, pelas estatísticas e por sua experiência na aplicação da Lei Maria da Penha, em vigor há 13 anos.
Sara afirmou que mulheres vítimas de violência ouvidas por ela durante a elaboração de sua tese de mestrado declararam acreditar nas autoridades, e isso pode ajudar a diminuir os números de mortes. Outro instrumento capaz de ajudar a mudar as estatísticas, segundo a especialista, é a Lei do Feminicídio, sancionada em 2015.
A promotora disse que: “Estamos em quinto lugar no ranking dos países que mais matam mulheres. O feminicídio é a ‘ponta do iceberg’, mas a maioria dos casos de violência acontece no campo íntimo, e a gente precisa ter elementos e estratégias para mudar essa realidade no nosso país”.
Parlamentares
A senadora Leila Barros destacou um “sentimento de indignação” sobre o tema, citando a falta de condições do Estado de cuidar das crianças afetadas por esse problema social. Para a parlamentar, os números de feminicídios são ainda maiores do que os apontados, porque, segundo ela, há uma “falta de transparência aos olhos da sociedade”.
A mesma disse que: “É muito sério o que estamos vivendo e cada vez mais me sinto com sangue nos olhos e vontade de lutar ao lado de vocês, em busca de soluções. É uma pauta de todos nós, mulheres, homens, e do nosso país”.
O senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) asseverou que todos os humanos têm responsabilidade em proteger as mulheres, “não com armas, mas com amor”. Para ele, os números do Mapa da Violência impressionam, mesmo o parlamentar não tendo certeza sobre a veracidade dos números. Ao falar sobre a necessidade de esclarecimentos a respeito da competência de cada órgão, Styvenson também defendeu a identificação detalhada das motivações dos feminicídios.
Ele defendeu: “É a Justiça que falha, é a punição que não serve? Vemos alguns casos pontuais em que o próprio agente de segurança, que deveria proteger, é o causador da violência. E essas razões, se são culturais, por exemplo, precisam ser localizadas”.
Opinião popular
Por meio do portal e-Cidadania, internautas de diversos estados participaram da audiência pública interativa. Simone da Silva, do Rio Grande do Norte, sugeriu o uso do aplicativo WhatsApp como canal para pedidos de socorro. Ela acredita que essa medida facilitaria a localização da vítima e a chegada da polícia.
Keila Cristiana, de Goiás, defendeu punição mais severa para os criminosos, além de medidas educativas e de prevenção. Lucas Luan de Araujo Freitas, do Ceará, disse que os guardas municipais poderiam ter uma atuação maior na proteção das vítimas, “por estarem mais próximos da população”.
Yuri Ribeiro Sucupira, de São Paulo, disse que o maior número de vítimas de homicídio no Brasil são homens e questionou por que a legislação ainda não endureceu a punição para estes crimes. Sabrina Lage, do Rio de Janeiro, criticou a falta de estratégias de proteção para mulheres surdas.
Já Emanuella Scoz, de Santa Catarina, escreveu sobre a necessidade de políticas públicas nos municípios, com vistas a “desestruturar a cultura machista em órgãos públicos de atendimento à mulher”.