Em Belo Horizonte, empresas de transporte de passageiros estão cobrando da população por um serviço que não é prestado. Essa é a denúncia que foi averiguada na noite da última quarta-feira (5) pela Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O deputado Doutor Jean Freire (PT), presidente da comissão, visitou a estação São Gabriel e confirmou que ônibus de várias linhas, na Capital, estão circulando sem cobradores em um horário em que isso não poderia ocorrer.
De acordo com a Lei municipal 10.526, de 2012, o doutor Jean Freire ressaltou que é necessária a presença de cobradores no horário entre 6h e 20h30, nos dias úteis, com exceção para ônibus troncais do BRT, que ligam as estações ao centro da Capital.
Ao utilizar a linha 82, no entanto, que liga a Estação São Gabriel à Savassi, no horário entre 19 e 20 horas, o deputado verificou que não havia o agente de bordo, como é chamado oficialmente o cobrador. Diversos passageiros ouvidos disseram que isso é comum nesta e em várias outras linhas.
Serviço do cobrador é computado sem ser disponibilizado
A visita parlamentar foi acompanhada pelo presidente do Movimento Volta Cobrador de BH e Região, Marcos Aurélio Soares. Na avaliação do líder do movimento, uma das questões mais graves é que o serviço do cobrador, no horário devido, é computado nas planilhas de custos das empresas, sendo levado em conta para o cálculo das tarifas. Ou seja, além de descumprir a lei, as empresas estariam cobrando por algo que não está sendo disponibilizado.
O deputado doutor Jean Freire, durante a conversa com os passageiros, chamou atenção para um adesivo fixado no veículo da linha 82, que ele utilizou. O adesivo traz o seguinte aviso: “Esta linha pode operar sem a presença do agente de bordo”. Para o deputado, o aviso é uma forma de enganar a população, uma vez que a empresa não informa o período em que o cobrador pode ser dispensado, ou seja, à noite e durante os finais de semana.
De acordo com o parlamentar, falta uma fiscalização eficiente, que deveria ser feita pela BHTrans, a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte. Doutor Jean Freire, que pretende debater a questão em uma audiência pública, com a presença do órgão municipal, afirmou que: “Há relatos de assaltos, pessoas chegando atrasadas para hemodiálises, agressões às motoristas mulheres que trabalham sozinhas. Cabe à BHTrans fiscalizar e queremos saber o que está acontecendo”.
Passageiros relatam atrasos, descaso e roubos
[Sem o cobrador, motorista tem sobrecarga de trabalho e corre riscos]
Sem o cobrador, motorista tem sobrecarga de trabalho e corre riscos
Segundo Eugênia Cristina Guedes da Rocha, operadora de telemarketing, a ausência do cobrador irrita os passageiros pelo atraso acarretado nas viagens. Ela utiliza a linha 4405, que atende o bairro Coqueiros, e afirmou que: “Se várias pessoas entram com dinheiro, o motorista não pode arrancar o carro enquanto não termina de cobrar. Por causa disso, tem viagem que atrasa de 20 a 30 minutos”.
A mesma também afirma que, quando não há cobrador, o elevador para cadeirantes não funciona, pois o motorista teria que deixar o volante para operar o equipamento. Em tese, é o que ele teria que fazer, mas não é o que acontece, frequentemente. Isso foi confirmado pelo passageiro Ronei da Silva Ramos, cadeirante. Thays Arcanjo, que acompanhava Ronei Ramos na Estação São Gabriel, afirmou que: “Muito motorista passa direto e não pega o cadeirante porque ele teria que parar o ônibus”.
Se o motorista faz o que é certo, em alguns casos, e deixa o volante para operar o elevador, acaba se expondo a riscos. Um exemplo foi citado pelo protético Renato Duarte, que utiliza com frequência a linha 82. Ele disse ter presenciado o caso de um criminoso que entrou no ônibus e roubou o dinheiro do caixa, aproveitando-se do fato de o motorista ter abandonado seu posto para ajudar um cadeirante.
A fiscalização feita pela BHTrans com relação à ausência de cobradores, para Marcos Aurélio Soares, vai além da ineficiência. Ele ressalta que, de acordo com a lei, a punição pela ausência do agente de bordo deveria ser a apreensão do veículo, e não apenas uma multa, que muitas vezes é ignorada pelas empresas. O mesmo afirma que: “Acho que a BHTrans é conivente com esse erro, porque eles teriam que estar aqui fiscalizando cada ônibus”.
Para acumular a função de cobrador, os motoristas recebem um adicional de R$ 2,00 por hora trabalhada, cerca de 20% de acréscimo a seu salário. No entanto, eventuais atrasos nas viagens podem ser descontados no salário do motorista, o que pode acabar eliminando qualquer compensação financeira.
Marcos Soares salienta que, mesmo que o dinheiro valesse a pena, isso não vale a saúde dos profissionais. Para Soares, isso é um sintoma do estresse sofrido pela categoria, agravado pelo acúmulo de funções. Ele afirmou que: “Recentemente, um motorista da linha 328 enfartou ao volante, causando um acidente”.