Por Cynthia Hobbs - Diretora da Fundação Renova.
Neste momento em que se discute como fazer a reparação de grandes tragédias no Brasil, a Fundação Renova reafirma o compromisso com a recuperação de Mariana, da Bacia do Rio Doce e das comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão. Essa é a missão estabelecida no Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC) que deu origem à Fundação, e nela estamos concentrados.
A reparação do desastre de Fundão abrange, entre outras ações, o pagamento de indenizações, reassentamentos, monitoramento e restauração da biodiversidade, retomada de atividades econômicas, reflorestamento, uso sustentável da terra e recuperação das águas do Rio Doce e de mananciais. É trabalho complexo, de longo prazo, que busca solução extrajudicial para as questões, dando mais agilidade em relação ao tradicional processo judicial.
Por ser solução extrajudicial, o modelo de governança adotado é o de um sistema colegiado, no qual as decisões são tomadas em conjunto por mais de 70 entidades públicas, com participação dos atingidos. O sistema colegiado garante a legitimidade das ações, mas também faz que leve algum tempo para chegar a decisões.
Em agosto de 2016, quando a fundação foi criada, não existiam — e ainda não existem — soluções prontas ou guardadas na prateleira para atuação em grandes tragédias. Nem a sociedade, nem o Estado, nem organizações públicas tinham respostas imediatas para situações de tamanha grandeza.
Tivemos que abrir os caminhos que trilhamos passo a passo, em constantes debates com os envolvidos. Esse debate é difícil, mas enriquecedor. Afinal, cada segmento da sociedade tem uma visão sobre como lidar com a reparação. A realidade dos atingidos é diferente da realidade dos órgãos reguladores, e assim sucessivamente. Tenta-se sempre a decisão que atenda ao maior número de pessoas, com correção e justeza.
Ao mesmo tempo em que debatemos em busca das melhores soluções, demos início ao processo de reparação. Cerca de 200 organizações participam de uma rede mobilizada para a reparação do Rio Doce e de comunidades atingidas. Só na área de biodiversidade, são mais de 20 universidades envolvidas. Geramos mais de 20 mil documentos e estudos.
Os recursos aplicados em todo o processo chegaram, até agora, a R$ 5,2 bilhões. Outros R$ 3 bilhões estão orçados para este ano, dos quais, boa parte será destinada ao pagamento de indenizações, nosso grande foco em 2019, ao lado dos reassentamentos e da implantação do novo sistema de governança, com maior participação dos atingidos. Pagamos, até o momento, R$ 1,4 bilhão em indenizações e auxílios financeiros para cerca de 300 mil pessoas. Neste ano, mais R$ 1 bilhão deve ser desembolsado.
As obras de reassentamento tiveram início. Isso, após intensas discussões com a comunidade. Como o objetivo é a reparação integral, o reassentamento proposto tem objetivo de reconstituir a comunidade da forma mais próxima ao que era antes do desastre. Colocamos em operação um processo no qual a escolha do local, o plano diretor e a relação de vizinhança contaram com a participação direta dos atingidos. As casas estão sendo desenhadas uma a uma, de acordo com o desejo da família, e começam a ser construídas neste ano, em um modelo de reassentamento único no mundo.
O Rio Doce é hoje o mais monitorado do Brasil, com um modelo de gestão construído em conjunto com universidades, câmaras técnicas, Agência Nacional de Águas (ANA) e sociedade civil. A qualidade da água bruta do rio voltou às condições de antes do desastre. A água tratada pode ser consumida. Também desenvolvemos projetos em áreas como monitoramento da biodiversidade, manejo de rejeitos, reconformação de rios, recuperação do solo e retomada do agronegócio. São ações concretas, já em curso.
O caminho percorrido, porém, tem obstáculos. Lidar com a informalidade na definição das indenizações é grande desafio, pois muitos têm dificuldade de comprovar ocupação e renda. Coube ao nosso conselho consultivo, composto principalmente por representantes das comunidades, apresentar proposta de solução que, agora, está sendo testada. Se se revelar viável, poderá destravar os pagamentos de indenizações que ainda dependem da definição de políticas.
Como se vê, não existem soluções prontas e fáceis para um desastre da dimensão do rompimento de Fundão. São cerca de 600 quilômetros de rio e 39 municípios atingidos em Minas Gerais e no Espírito Santo. Não se pode esperar que tudo esteja solucionado em apenas três anos. Mas, com diálogo e participação, buscamos chegar à melhor decisão. Ela pode demorar, mas quando chegar, vem com qualidade e perenidade.