Comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, criticam atuação da Renova, que deveria mediar conflitos e agir com objetividade.
Em audiência pública realizada na última sexta-feira (3), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), participantes fizeram uma série de críticas à atuação da Fundação Renova. A entidade foi criada para mediar o conflito entre as mineradoras Samarco, Vale e BHP, responsáveis pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Bento Rodrigues, em novembro de 2015, e a população afetada pelo crime.
Segundo os convidados da reunião, convocada pela Comissão de Direitos Humanos da ALMG, a Fundação Renova criminaliza e silencia as vítimas do rompimento da barragem; ameaça, persegue e promove assédio e divisão entre as comunidades; ignora os direitos dos atingidos; e adia o cumprimento de acordos.
A entidade é acusada também de se aproveitar da morosidade da Justiça para protelar a reparação de danos às comunidades. De acordo com os debatedores, na prática, a fundação atua mesmo é como defensora dos interesses das mineradoras.
“A Fundação Renova trabalha para atender aos interesses das empresas, criminalizando, silenciando e negando a subjetividade dos atingidos”, denunciou o promotor Helder Magno da Silva, procurador regional dos Direitos do Cidadão, da Procuradoria Geral da República em Minas Gerais.
Seu colega Guilherme de Sá Meneghin, da 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Mariana, reforçou a denúncia, alegando que a fundação desconsidera os casos de depressão no município, que teriam aumentado muito após a tragédia, recusando-se a aceitar a reparação de danos morais. “A vulnerabilidade social aumentou e há um grande descuido com a saúde dos atingidos”, declarou.
Diante dos sucessivos crimes socioambientais, Guilherme Meneghin entende que os legisladores devem elaborar leis específicas para reparação de danos. Nesse sentido, defendeu que a comissão aprove recomendação ao Congresso Nacional para que os parlamentares apresentem projetos de lei que apontem para a punição efetiva dos responsáveis, como forma de prevenir violações de direitos.
Presente à reunião, o deputado federal Rogério Correia (PT-MG) disse que foram apresentados na Câmara dos Deputados nove projetos sobre legislação ambiental, envolvendo segurança e licenciamento de barragens, que devem ir ao Plenário no fim do mês.
Prefeitos na mira das comissões
Ainda na última sexta foi iniciada uma audiência pouco depois das 9h30 e concluída às 17h45, após a convocação de uma reunião extraordinária da comissão, com o objetivo de que o debate tivesse prosseguimento.
Autora do requerimento de audiência, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) avaliou a reunião como bastante produtiva e destacou a "iniciativa inédita de ouvir as vítimas de Mariana e Brumadinho sem serem silenciadas por nenhuma das mineradoras”.
Natural do Vale do Rio Doce, atingido pelo rompimento da Barragem de Fundão, a deputada Celise Laviola (MDB) disse que a sua região tem menos visibilidade, por estar afastada. “Mas o sofrimento é imenso, porque perdemos a água, nossa fonte de vida", acrescentou.
A presidente da comissão, deputada Leninha (PT), disse entender bem esse sofrimento, porque o povo do Norte do Estado, sua região de origem, também sofre com escassez de água. “O povo é o verdadeiro guardião da biodiversidade. Estamos juntos em defesa de um modelo de desenvolvimento onde as pessoas tenham mais valor do que o dinheiro”, afirmou.
Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem de Brumadinho, o deputado André Quintão (PT) também defendeu a busca por um novo modelo no aproveitamento dos recursos naturais. Ele também rechaçou o modelo de mediação de conflitos adotado pela Fundação Renova e disse que a CPI não vai permitir que a situação se repita no caso de Brumadinho.
A deputada Andréia de Jesus (Psol) também criticou a entidade, afirmando que a tarefa de mediação entre empresas e comunidades deveria ser assumida pelo poder público e não por uma instituição de direito privado.
Simone Maria da Silva, da Comissão de Atingidos de Barra Longa (distrito de Mariana), denunciou que a fundação atua no sentido de dividir a comunidade. “A Renova é um câncer na vida de todos nós, atingidos. Somos perseguidos, ameaçados, criminalizados e marginalizados. O crime não acabou, continua acontecendo todos os dias”, disse.
A professora da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Tatiana Ribeiro de Souza, disse que a Renova atua com finalidade política, no que foi apoiada pelo representante da Comissão Estadual dos Atingidos do Espírito Santo, Heider José Boza.
A coordenadora do Fórum Sindical e Popular de Saúde e Segurança do Trabalhador, Marta de Freitas, chamou as barragens mineiras de “bombas atômicas” porque “podem estourar a qualquer momento”.
Até a publicação desta matéria a Fundação Renova não nos retornou.
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