Em missão investigativa em Minas Gerais, órgão aponta que situação no Estado é dramática e urgente e assina termo de parceria para elaboração de um relatório.
Assédios sexual, moral e patrimonial. Ameaças de estupro e de morte. Violência política e física. Punição e silenciamento para quem denuncia. Promoção para denunciados. Esse foi um roteiro comum às denúncias feitas por mulheres ao Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), na última quarta-feira (04/09), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Em missão destinada a investigar a violência política de gênero e o assédio no Estado, o CNDH ouviu vereadoras e servidoras públicas, em audiência conjunta das Comissões de Direitos Humanos e de Defesa dos Direitos da Mulher da ALMG. Os relatos foram classificados como “estarrecedores” pelo juiz Marcelo Gonçalves de Paula, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher em Belo Horizonte.
Entre as denunciantes, estava um grupo de servidoras da polícia penal lotadas em Ibirité, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Das 14 policiais do presídio, sete recorreram à Justiça depois do silêncio das estruturas administrativas. Mas até a decisão judicial que afastou dos cargos os dois acusados, foram muitas ameaças e pressões diante da recusa em dar “abraços apertados e cheiros no pescoço”.
Mas o afastamento do cargo, na verdade, foi uma promoção. “O diretor-geral foi realocado, com bônus de R$ 2 mil”, contou Margarete Moreira, uma das policiais. Segundo ela, um dos primeiros atos do outro acusado, o diretor-adjunto, foi cortar o plantão de 24 horas para as policiais femininas. “Ele ainda ofereceu R$ 20 mil para quem topasse uma troca íntima com ele. Quando questionei, ele disse que quanto mais nervosa eu ficasse, mais excitado ele ficaria”, relatou.
Outras policiais também denunciaram agressores e as represálias que ainda estariam sofrendo após as denúncias. Tatiane Albergaria foi aposentada por “invalidez” após acusação de doenças psiquiátricas. Jaqueline Evangelista também foi apontada como paranoica e viu o abusador ser promovido. Outras tiraram a própria vida após os assédios, como lembrou Aldair Divino, pai da escrivã Rafaela Drumond, que se matou em junho de 2023.
Acostumado a ouvir relatos como esses há dez anos, o juiz Marcelo Paula classificou o caso como um grave problema institucional. Para ele, é preciso garantir a efetividade das corregedorias, que também precisam se comunicar.
“Como magistrado, como ser humano e como homem, é estarrecedor ouvir isso. Dentro de mim existe uma mãe, uma filha, e fiquei com vergonha de ouvir o que vocês disseram.” Marcelo Gonçalves de Paula, Juiz
Vereadoras desistem de novo mandato
Denúncias também vieram de vereadoras de várias cidades mineiras. Karine Santos, do Serro (Central), foi detida e ficou algemada por quase nove horas acusada de desacato a servidor público quando buscava informações sobre a morte de uma criança quilombola. Valéria Lopes, de Ouro Branco (Central), contou que sofria perseguições diárias e recebeu ameaça de surra pelas redes sociais de um colega vereador que é policial. Ambas desistiram de concorrer a um novo mandato.
“Sou a única que fiscaliza de fato e faz representações ao Ministério Público, sem nenhuma vitória. Meus mandados de segurança viraram anos sem nenhum andamento. Nós, mulheres, não temos apoio do Judiciário e nem do Ministério Público e temos medo da polícia. Eu não acredito mais nas instituições. Por isso, encerro minha vida política eleitoral”, desabafou Valéria, lamentando a ausência de autoridades que, a essa altura, já haviam deixado a reunião.
A deputada Ana Paula Siqueira (Rede) lembrou que a violência política é pauta recorrente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, presidida por ela. “Essa é uma estratégia do sistema para nos afastar da política. Somos 52% da população. Não dá para falar em democracia sem participação das mulheres”, frisou.
As representantes do CNDH apontaram que Minas Gerais vive uma situação dramática e urgente, com muitos casos de violência moral nas forças de segurança e de violência política contra mulheres. Antes da audiência, elas se reuniram com vários órgãos. Maria das Neves Macedo lembrou que a missão do CNDH foi motivada por requerimento de várias deputadas, um fato inédito.
Solicitaram a reunião as deputadas Andréia de Jesus (PT), presidenta da Comissão de Direitos Humanos, Ana Paula Siqueira, Beatriz Cerqueira (PT), Bella Gonçalves (Psol), Ione Pinheiro (União), Leninha (PT), Lohanna (PV), Macaé Evaristo (PT) e Maria Clara Marra (PSDB).
Já Virgínia Berriel contou que a escuta do CNDH às policiais de Ibirité começou há cerca dois anos. Ela denunciou casos de aposentadoria para tirar de circulação as denunciantes. “É omissão, conluio e falta de vergonha na cara de autoridades coniventes, que se protegem. É vergonhoso”, afirmou.
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