De camiseta verde, falando ao celular ao vivo e pausadamente, para ser compreendido com clareza pelas multidões que faziam ato em seu favor no domingo (21), Jair Bolsonaro foi claro a respeito de sua provável chegada ao Palácio do Planalto. “Nós somos a maioria. Nós somos o Brasil de verdade”, afirmou. Na sequência, explicou quem é a minoria, formada pelos que, em sua visão, são não-brasileiros ou brasileiros de mentira: “A faxina agora será muito mais ampla. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos. Ou vão para fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”.
Não é preciso fazer uma leitura profunda do que afirmou Jair Bolsonaro para entender seu pensamento. Ao destacar os “marginais vermelhos”, Bolsonaro estava ecoando a linha-mestra do bolsonarismo, a de que qualquer um que se oponha a Jair – do músico Roger Waters à revista The Economist – é “comunista”, ou “petista” ou “vermelho”.
Trata-se de uma retórica que traz dentro de si um conteúdo evidentemente autoritário. Bolsonaro separa o país em dois: quem está a seu lado é brasileiro “de verdade”. Quem é contra, quem vota contra, deve ser banido. Ocorre que nem todo opositor de Bolsonaro é comunista ou petista, então o objeto de sua ameaça é muito mais amplo: o recado foi direcionado a todos os seus adversários políticos.
Esse tipo de intimidação a quem pensa diferente não é uma novidade. Como destacado neste espaço anteriormente, Bolsonaro afirmou em janeiro de 2017, em Campina Grande (PB), qual é a sua visão da democracia. “Vamos fazer o Brasil para as maiorias. As minorias têm que se curvar às maiorias, as leis devem existir para defender as maiorias”, disse. “As minorias se adequam ou simplesmente desaparecem”, completou. Não basta, portanto, ganhar as eleições e governar. É preciso subjugar quem perdeu.
O que espanta na frase proferida no último domingo é que Bolsonaro decidiu advertir seus oponentes em um momento no qual desfruta de grande tranquilidade. Vitorioso no primeiro turno, lidera com folga as pesquisas de segundo turno e seu adversário faz uma campanha perdida, graças a um partido incapaz de autocrítica e de olhar para além de seus próprios interesses. Bolsonaro, assim, deve ser eleito mesmo sem ter um plano de governo claro ou participar dos debates.
Neste cenário, Bolsonaro poderia gastar seu tempo para tentar iniciar um governo de “união nacional”, mas preferiu o inverso: separou dois Brasis, o seu, o “de verdade”, e o dos opositores, que terão cadeia, exílio ou “limpeza” pela frente.
Como alertaram diversos veículos de imprensa e analistas, brasileiros e estrangeiros, há um risco real de Bolsonaro tirar suas afirmações do plano retórico e levá-las para a realidade. Isso confirmaria a entrada da democracia brasileira em uma trajetória descendente, uma situação que já é palpável para muitos.
Reportagem de Joana Oliveira e Maira Hofmeister publicada pelo jornal El País no último dia 21 mostrou como grupos vulneráveis estão vivendo com medo diante da provável eleição de Bolsonaro: a comunidade LGBT, negros, indígenas, mulheres e opositores políticos levam seu dia a dia entre a violência retórica do presidenciável e a violência prática de parte de seus apoiadores, que acumularam casos de agressões nas últimas semanas.
Bolsonaro criticou de forma genérica a violência política, mas, como fica claro em sua fala do fim de semana, não parece ter a intenção de cessar as hostilidades. É possível que seu governo seja visto por muitos extremistas como legitimador dos ataques às minorias. Pior, como abordado nesta coluna em 9 de outubro, um governo Bolsonaro poderia, por ação própria ou de seus eventuais aliados conservadores no Congresso, institucionalizar a violência contra os grupos vulneráveis e atuar para retirar direitos civis.
Ao El País, uma eleitora travesti destacou o medo de a gestão do capitão eliminar, por exemplo, o chamado Protocolo Transexualizador, que garante ao cidadão trans o atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). Pode parecer algo de menor importância, mas para essa comunidade é assegurar a possibilidade de viver a vida em completude.
Como discutido neste espaço em 16 de outubro, ao menos em parte a tentativa de retirar direitos pode colocar Bolsonaro em choque com o Judiciário e o Ministério Público. Alvos evidentes do presidenciável são as terras indígenas, listadas por ele como um dos “problemas” da Amazônia, e a legislação do meio ambiente.
FONTE : YAHOO NOTÍCIAS