O método utilizado para atestar a segurança da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (RMBH), antes do seu rompimento não era o convencionalmente aceito na área. A revelação foi feita em reunião da CPI da Barragem de Brumadinho, nesta quinta-feira (25), por Fernando Lima e Maria Regina Moretti, respectivamente, sócio e consultora da empresa Potamos, que trabalhou na análise de risco da estrutura.
Na reunião, realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), também foram ouvidos sobreviventes da tragédia. A engenheira Maria Regina Moretti explicou ainda aos deputados como a Potamos Engenharia se retirou da análise de risco da barragem, que se rompeu em 25 de janeiro deste ano, matando mais de 200 pessoas.
Ela atuou como consultora da Potamos para produzir, em parceria com a empresa Tüv Süd, um Estudo de Risco Monetizado da estrutura, que significa calcular os riscos de acidentes diante dos custos que eles gerariam. Esse cálculo de risco, conforme informou, não gera nenhum atestado ou laudo de segurança, mas subsidia tais documentos.
Quando a Tüv Süd enviou o laudo de segurança, Maria Regina Moretti, como consultora, e a Potamos não concordaram com as conclusões. De acordo com a convidada, o fator de segurança apontado pelo documento, 1,09, era similar ao identificado por seus estudos. O problema é que o padrão adotado internacionalmente é de 1,3. A Potamos não aceitou assinar o laudo com o parâmetro mais baixo.
Negociações
De acordo com o sócio da Potamos, Fernando Lima, em dezembro de 2017, a Vale pediu que a empresa apresentasse alternativas de intervenções para a maior segurança da barragem, trabalho que foi realizado, de acordo com o executivo.
No entanto, relatou o empresário, a Vale ficou de analisar as soluções propostas, mas só consultou novamente a Potamos em 2018, sem dar um retorno sobre o que havia sido proposto e informando que novos estudos sobre a segurança da estrutura estavam sendo feitos, para que fosse verificado novamente o fator de segurança.
Fernando Lima relatou, então, que a Potamos se recusou a reinterpretar a situação e que, a partir daí, a relação da empresa com a Vale ficou estremecida. A mineradora inclusive solicitou à Potamos que transferisse para a Tüv Süd todos os seus estudos de geotecnia sobre a barragem, ressaltou o empresário.
A Vale e a Potamos só voltaram a ter contato meses depois, quando a Tüv Süd já havia emitido seu relatório de revisão periódica da estrutura.
Drenos
Durante as atividades de instalação de drenos, técnica para reduzir o impacto da liquefação que acabou resultando no rompimento, Maria Regina Moretti disse que já não atuava na barragem, mas que os trabalhos desse tipo que ela conhecia utilizavam drenos de, no máximo, 40 metros.
Esse tamanho, porém, não seria suficiente em Brumadinho e estavam sendo usados drenos de 100 metros, que a engenheira disse não saber se há experiências anteriores nesse sentido.
Questionada se ela, ao longo de mais de uma década trabalhando com estudos de barragens, já havia observado alto risco como em Brumadinho, a consultora respondeu que sim: exatamente na Barragem do Fundão, em Mariana, que rompeu em 2015.
O deputado Sargento Rodrigues (PTB) ressaltou que não há dúvidas, diante dos depoimentos do dia e das manifestações de convidados de reuniões anteriores, que a tragédia poderia ter sido evitada com a adoção de medidas de segurança.
“A Vale, sabendo que os estudos não podiam atestar a segurança da barragem, precisava ter interditado toda a área em risco e, principalmente, retirar de lá todos os seus funcionários”, disse. Sobreviventes falam de treinamentos e atendimento a funcionários terceirizados.
No mesmo encontro, a CPI ouviu depoimentos de três sobreviventes do rompimento da barragem. Todos eles atuavam na área de saneamento ambiental e estavam realizando a sucção de rejeitos oleosos em uma estação da mina quando a barragem se rompeu.
Eles afirmaram que os treinamentos em relação à segurança de barragens eram teóricos e não levavam em consideração especificações locais de onde eles trabalhavam.
Apenas uma simulação teria sido feita nos anos anteriores ao rompimento, no segundo semestre de 2018. Nesse caso, a sirene teria tocado e eles teriam saído de forma ordeira do ambiente de trabalho. No dia 25 de janeiro, porém, a sirene não tocou.
Os três sobreviventes ouvidos trabalhavam na Vale. Dois, Sebastião Gomes e Elias Nunes, eram funcionários da mineradora, enquanto o terceiro, Waldison da Silva, prestava serviço por meio de uma empresa terceirizada.
No apoio prestado pela Vale depois do rompimento, essa diferença foi importante: para Waldidson não foi oferecido suporte psicológico e psiquiátrico mediado pela Vale como foi para os demais. Os deputados Gustavo Valadares (PSDB) e André Quintão (PT) repudiaram a diferenciação. Um requerimento com pedido de providências à Vale para reverter a situação foi aprovado ao final da reunião.
André Quintão ressaltou que é preciso garantir que no caso de Brumadinho não se repita, no pós-tragédia, o descaso verificado depois do rompimento da Barragem do Fundão em 2015, “seja na punição dos responsáveis, seja na reparação dos danos que podem ser recuperados, já que as vidas humanas não podem ser recuperadas”.
Também compareceram à reunião os deputados Bartô (Novo) e Glaycon Franco (PV), que prestaram solidariedade aos sobreviventes e participaram dos questionamentos aos convidados.
Convocados
Entre os demais requerimentos aprovados pela CPI da Barragem de Brumadinho ao final da reunião está um, assinado por diversos deputados, para a convocação, na condição de testemunhas, do secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Germano Luiz Gomes Pereira, seu adjunto, Anderson Silva de Aguilar, e ainda o superintendente de Projetos Prioritários da pasta, Rodrigo Ribas.
Foto: Divulgação / ALMG