Mesmo quando caiu a obrigatoriedade do uso de máscaras na maioria das escolas, os sorrisos não voltaram a aparecer nos recreios. Estamos vendo os graves impactos da pandemia e do isolamento social na saúde mental de crianças e adolescentes, que se somam às lacunas pedagógicas e de aprendizagem.
O trauma é evidente no chão das escolas: crises de ansiedade generalizada, automutilação, fobias, depressão e conflitos. Segundo pesquisa do Conselho Nacional da Juventude, 6 em cada 10 jovens de 15 a 17 anos relataram sintomas de ansiedade e uso excessivo de redes sociais durante a pandemia.
Metade sofre com exaustão, 40 % tiveram distúrbios de sono ou peso e, o mais preocupante, 1 em cada 10 pensou em tirar a própria vida. O suicídio continua sendo a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.
Foram dois anos de medo constante da doença, ensino híbrido, avaliações online e interações mediadas por telas e chats. Quando foi possível voltar à escola, os protocolos sanitários ditavam regras do convívio social tão restritas que nem uma simples bola podia rolar nas mãos e nos pés dos estudantes.
Apesar de toda a dificuldade, alunos, professores e famílias se acostumaram à nova realidade. Está sendo difícil retomar a normalidade mais próxima da que conhecíamos. Afinal, não foi só a escola que mudou, todos nós mudamos.
Nos enganamos ao achar que, na primeira oportunidade, íamos sair do zoom e abrir portas para os abraços. A realidade tem sido bem diferente. Tem sido desafiador reaprender a conviver presencialmente, partilhar regras e a estar em grupos ampliados com recreios mais barulhentos.
A geração da Covid-19 mergulhou nas telas como forma não só de aprender, mas de socializar e se autorregular, o que trouxe consequências para a formação subjetiva, com pouca tolerância à frustração que navega com dedinhos "touch screen" nas redes em busca de pertencimento e aceitação em forma de "curtidas".
O aumento exponencial de questões emocionais e comportamentais tem sido, sem dúvida, o maior desafio para famílias e escolas. A volta ao presencial revelou a necessidade que temos de nos relacionar sem a mediação das telas ou máscaras, e que conviver também traz conflitos ou sofrimentos. Cuidar desta realidade se faz urgente.
Para vencermos essa crise, é preciso fortalecer a parceria entre família, escola e profissionais de saúde. O primeiro passo é reconhecer que os comportamentos que inspiram preocupação são fruto de um trauma e que a mudança demandará de nós conexão, tempo, dedicação e amparo.
Os conteúdos afetivos e emocionais são, hoje, tão ou mais importantes quanto os matemáticos, físicos ou linguísticos. Precisamos dar as mãos para cuidar das cicatrizes na saúde mental de nossas crianças e adolescentes com prioridade absoluta.
Precisamos ser rede e estarmos atentos a sinais que merecem cuidado e atenção, como baixa autoestima, mudanças no sono e no padrão alimentar, irritabilidade ou agressividade ou dificuldade de relacionamento extremo.
Diálogo e escuta devem ser essenciais nas casas e escolas. Façamos laços. Estejamos presentes. É imperativo dar palavra ao sofrimento inscrito no corpo das crianças e jovens para que possam sorrir de novo.
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