Especialistas sugerem repensar a relação com a comida e os exercícios físicos.
Com a explosão de conselhos e programas de exercício próprios para ser feitos em casa e propiciados pelos períodos de isolamento social, pode parecer que nunca foi tão fácil malhar em casa. Mas a realidade é que provavelmente nunca foi mais difícil.
Para cada pessoa que posta no Instagram uma selfie em que aparece transpirando e com legenda tipo "não foi fácil, mas consegui", há outra pessoa (ou quatro outras) simplesmente tentando suportar o estresse.
Some-se a isso o acesso constante a uma geladeira e despensa lotadas. O sentimento de culpa em relação ao que comemos ou ao exercício que não praticamos se acumula muito rapidamente.
"Então você ganhou peso", comenta a terapeuta nutricional Elyse Resch. "E daí? Você está viva. Estamos fazendo o melhor que conseguimos com os recursos que temos à mão." (Sem falar em muitas outras pessoas que enfrentam desafios graves, como preocupações sérias de saúde e insegurança financeira.)
Também você pode livrar-se da preocupação com um ganho moderado de peso ou a perda do nível de aptidão física que tinha antes da pandemia.
Rompa o ciclo.
Tenha compaixão, sobretudo. "Acho que a maioria das pessoas não muda de ideia depois de ser criticada aos berros ou receber tapas na cara, mas é assim que falamos com nós mesmos", disse a psicóloga clínica Phoenix Jackson, especializada em trauma.
Quando ela está tendo dificuldade em conversar com si mesma com a mesma gentileza com que trataria uma amiga querida, Jackson procura uma foto dela própria criança e pensa que gostaria que falassem com carinho àquela pessoa.
O próximo passo é reconhecer que regimes ambiciosos para perder peso e fazer exercício podem nos oferecer a ilusão de controle em um mundo que parece fora de controle, mas a ansiedade que geram não nos ajuda. Isso faz parte de um problema mais amplo: a maioria de nós sente pressão para alcançar ou manter determinado tamanho corporal porque nos foi ensinado que isso é importante.
O peso excessivo é vinculado a riscos consideráveis à saúde, embora não signifique por definição que uma pessoa não seja saudável. Infelizmente, a gordofobia promove exatamente o contrário: pesquisas revelaram que as pessoas gordas não recebem o mesmo nível de assistência médica que outras, ganham menos dinheiro no trabalho e têm mais dificuldade em encontrar trabalho, para começo de conversa.
"Quebre esse ciclo, perguntando a si mesma onde foi que você aprendeu que ganhar peso é algo do qual você deve se envergonhar", escreveu em e-mail a psicóloga clínica Paula Freedman, especializada em transtornos alimentares.
Pergunte: essa crença me ajuda a ser o tipo de pessoa que quero ser? (Freedman disse ainda que pode ser preciso decompor essa pergunta: que tipo de pessoa quero ser? Como quero me tratar e como quero tratar as outras pessoas?)
Christy Harrison, terapeuta nutricional que examinou a questão do coronavírus e o ganho de peso num artigo publicado na Wired em 2020, disse em entrevista que poucas das primeiras pesquisas sobre o tema levaram em conta diferenciais como raça, status socioeconômico ou qualidade de atendimento médico, "determinantes sociais da saúde que sabemos que explicam a maioria das disparidades de saúde entre diferentes grupos de pessoas", ela escreveu.
Tampouco levaram em conta como os vieses de médicos influenciam o atendimento que dão a pacientes obesos.
"No final das contas, independentemente do que a ciência diz ou deixa de dizer sobre Covid e peso corporal, ainda não temos uma maneira de as pessoas perderam peso e manterem o peso mais baixo", disse Harrison.
Coma se você quiser.
Um princípio da cultura das dietas –ou cultura do bem-estar, que na verdade não passa de um novo nome dado à cultura das dietas— é que comer por qualquer outro motivo que não seja fome biológica aguda é ruim. Essa crença nasceu com a ascensão dos clubes de dieta na década de 1960, onde as mulheres iam para desabafar seus sentimentos para poderem evitar o comer emocional.
"Nessa cultura, para a pessoa merecer alimentar-se é preciso que esteja morrendo de fome", falou Harrison. "Mas fomos criados para sentir prazer com a comida e para nos vincular a outros em torno dela."
Digamos que você realmente se sinta reconfortada comendo. "Vá fundo, curta, seja grata por isso", aconselhou Resch. Com uma ressalva: é preciso estar presente e consciente do momento para realmente sentir o conforto e a satisfação. Se você estiver ocupada demais se julgando enquanto come, não está curtindo a textura e o sabor dos alimentos.
Pergunte-se por que você pratica exercício.
Digamos que você não anda malhando o suficiente ou não tanto quanto fazia antes, e você acha que é um problema. Isso pode acontecer porque para você, praticar exercício significa controlar seu corpo ou compensar pelo que você come –mais uma ideia que merece ser descartada.
"O exercício físico é uma coisa prazerosa por si só, algo que você pode praticar pela alegria que lhe dá e pelos benefícios à sua saúde mental", disse Harrison. "É difícil sintonizar-se com isso quando há todas essas vozes na sua cabeça dizendo ‘mas, se eu não conseguir elevar minha frequência cardíaca até x, não vou ser beneficiada’."
Resch prefere a palavra "movimento" a "exercício".
"Exercício traz a conotação de algo que você é obrigada a fazer", ela explicou. "Seria melhor não pensar que você o faz para uma finalidade, tipo conservar sua perda de peso ou conservar seus músculos." Em vez disso, observe o que faz você se sentir bem em seu corpo. Pode ser simplesmente ficar em pé e se alongar.
Canalize sua energia para algo mais produtivo do que ficar obcecada com peso e exercício –alguma coisa como mudar a cultura das dietas, por exemplo criticar os comentários gordofóbicos em suas redes sociais ou os que promovem a magreza.
Suman Ambwani, professora adjunta de psicologia no Dickinson College, disse que as pessoas às vezes relutam em contestar esse tipo de afirmações.
"Mas, em um estudo feito anos atrás, descobrimos que as pessoas gostavam mais de alguém que chamava a atenção para esse problema e rejeitava a autovalorização ligada à aparência e ao ideal de magreza do que gostavam de alguém que simplesmente concordava com o ‘body shaming’ (fazer o outro sentir vergonha de seu corpo)."
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