Auxílio Brasil maior concorre com inflação, e corte da gasolina pesa pouco na baixa renda.
Os mais pobres, cujo voto o presidente Jair Bolsonaro (PL) tenta conquistar em sua busca pelo segundo mandato, podem demorar mais tempo para sentir uma melhora de vida com os pacotes de benefícios lançados pelo governo às vésperas da eleição.
A PEC (proposta de emenda à Constituição) "Kamikaze", que cria e amplia uma série de benefícios sociais ou programas a menos de três meses do pleito, foi aprovada nesta quarta (13) pelo Congresso.
Entre as principais medidas está a ampliação do Auxílio Brasil, de R$ 400 para R$ 600, até o fim do ano e zerar a fila de espera do programa. Ampliar o Auxílio Gás para R$ 120 e criar um benefício, de R$ 1.000, para caminhoneiros, também fazem parte do texto.
O governo também se mobilizou para cortar os impostos sobre combustíveis e tentar segurar a inflação. Em junho, a Câmara dos Deputados concluiu a votação do projeto que limita as alíquotas do ICMS (imposto estadual) incidente sobre combustíveis, energia, transportes e comunicações.
Na avaliação de economistas ouvidos, porém, é preciso relativizar os efeitos do pacote pré-eleitoral de Bolsonaro e não há garantia de que ele aumente o bem-estar, sobretudo dos mais pobres, até outubro.
No curto prazo, a inflação vai cair, com o corte que já havia ocorrido nas bandeiras de energia e agora, na gasolina, diz o especialista da FGV (Fundação Getúlio Vargas) André Braz. "Isso vai fazer com que a inflação de julho tenha uma queda e também nos obriga a revisar a previsão para o ano —saindo da casa dos 9% para a dos 8%", afirma.
"Energia e gasolina chegam a pesar 10% no IPCA [a inflação oficial]. Se o governo corta fortemente os impostos, a inflação cai." Ele lembra, no entanto, que a gasolina é um bem de luxo, cuja redução será sentida, sobretudo, pelas classes média e alta.
Segundo o Ipea, os dados desagregados revelam que, para as famílias de renda mais baixa (ganhando até R$ 900 mensais), as maiores pressões inflacionárias nos últimos 12 meses até maio residiam nos grupos alimentação e bebidas.
Pesaram sobre as famílias altas em itens de grande consumo —como cenoura (116,4%), batata (54,3%), frango (22,7%), ovos (18,4%), leite (29,3%), macarrão (19,3%), pão francês (15,61%) e óleo de soja (31,3%).
"Já para as famílias de renda mais alta, os pontos de pressão estão, sobretudo, no grupo transportes, refletindo os aumentos dos combustíveis (29,1%), além da alta no transporte por aplicativo (64,3%), no táxi (12,3%) e nas passagens aéreas (88,7%)", diz o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
"Quem é mais humilde sente a inflação da comida, mas não há garantia de que os preços dos alimentos fiquem mais baixos, já que eles dependem de uma série de fatores, como preços internacionais e cotações de insumos agrícolas."
Ainda assim, mesmo no melhor dos cenários, com a inflação do ano batendo em 7,5% ou 8%, ela ficará mais que o dobro acima da meta para 2022, de 3,5%, afirma Braz.
Ele também ressalta que a conta irá chegar, e a queda na arrecadação prevista com o corte de ICMS significa que os serviços públicos que a população demanda e que já são avaliados como ruins —como saúde, educação e segurança pública— ainda podem piorar. O governo precisaria, portanto, torcer para que a conta chegue só depois de outubro.
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, também tem dúvidas sobre o impacto das benesses no cenário eleitoral.
Para Vale, os mais pobres devem ter algum benefício com o aumento de R$ 400 para R$ 600 no Auxílio Brasil e com uma possível queda dos preços dos alimentos, ajudados pela próxima safra.
Ele diz acreditar, porém, que a população tende a ver o auxílio como uma continuidade do Bolsa Família, e o ganho dado agora provavelmente não será tirado no caso de vitória do ex-presidente Lula, que lidera as pesquisas.
"Se Lula conseguir encaixar esse discurso, de que vai manter esses gastos e não encerrá-los no fim do ano, não vejo o Bolsonaro conseguindo angariar votos com isso. Pode ser até um tiro no pé. Mais ainda, ao piorar o lado fiscal, piora o câmbio e a inflação e acaba mantendo a corrosão da renda."
Ele também avalia que, ainda que a inflação possa ficar na casa dos 8% no final do ano, a população estará sofrendo as consequências da alta de preços durante a eleição.
"Tudo que está sendo feito não dá tempo de reverter o estrago já feito. E o ponto é que o efeito contrário, que bate no câmbio e pressiona a inflação, e o timing muito curto talvez não consigam ajudar a campanha de Bolsonaro."
Claudio Considera, do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia, da FGV), acrescenta que os aumentos para R$ 600 do Auxílio Brasil têm o efeito imediato de colocar mais recursos nas mãos das famílias, mas o grau de endividamento está tão elevado, e o poder de compra, tão deprimido, que a medida não deve ter efeito tão grande na atividade econômica.
Na última segunda-feira (11), dados do Serasa Experian de Inadimplência do Consumidor apontaram que o Brasil bateu o recorde com 66,6 milhões de inadimplentes em maio —maior patamar desde o início da série histórica, em 2016.
"Outras medidas, como o Auxílio Gás, reduzem as necessidades das famílias, mas não devem gerar demanda nova. Os caminhoneiros também perderam muito com a queda da atividade e o aumento de custos, mas o governo deve conseguir repor só um pouco das perdas deles", diz Considera.
Ele recorda que mesmo medidas de estímulo recentes, do primeiro semestre, como o saque do FGTS e a antecipação do 13º salário para aposentados e pensionistas, podem representar um cobertor curto.
Pensados pelo governo como pílulas para estimular a economia, ambos devem ter destinos mais conservadores.
A FGV ouviu 1.500 pessoas, em sua sondagem, sobre o destino que devem dar aos recursos e concluiu que dois terços pretendem usar o dinheiro para pagar dívidas e para poupar.
A expectativa do governo era que os saques extraordinários movimentassem em torno de R$ 86,7 bilhões, sendo R$ 30 bilhões do FGTS e R$ 56,7 bilhões da antecipação de 13º de aposentados e pensionistas.
No caso da geração de empregos, o economista Bruno Ottoni, da IDados, avalia que é difícil que a PEC tenha algum efeito antes da eleição, ainda que o trabalho tenha reagido com mais rapidez nos últimos trimestres do que se antecipava.
"O mercado de trabalho costuma reagir com um pouco de defasagem à atividade econômica. Então, mesmo que a PEC tenha efeitos sobre o PIB, ainda levaria alguns meses para afetar o emprego."
Ele também lembra que se a PEC gerar uma expectativa de fiscal pior, isso pode incentivar o aumento de juros. "E juros mais elevados tenderiam a diminuir a atividade econômica e emprego, no médio prazo."
O economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, diz que o ambiente externo mais pressionado impede a apreciação do real e a estabilização do dólar abaixo de R$ 5.
"O risco também subiu desde o início da pandemia. Sim, é preciso fazer estímulos quando se tem um choque, como na crise sanitária, mas o país já entrou na pandemia com a dívida elevada e o risco ficou mais alto."
Segundo estimativas do Itaú Unibanco para 2023, caso a redução de tributos sobre combustíveis e as medidas da PEC se tornem permanentes, é estimado um déficit primário de -1,5% e dívida em 83,5% do PIB (ante -0,1% e 81,8%%, respectivamente, caso as medidas sejam temporárias).
Foto: Divulgação