Moro em Carapicuíba desde que nasci. Do primeiro ao quarto ano do ensino fundamental, estudei na escola estadual Dona Maria Alice Crissiuma Mesquita. Lembro-me que naquela época tinha uma sala exclusiva para alunos com deficiência, chamada de ‘sala especial’.
Atualmente não existe mais essa sala, e fico aliviada em saber. Em tempos que tanto se fala em inclusão e diversidade, não me parece correto segregar crianças por suas diferenças. Afinal, todos somos diferentes uns dos outros.
Quando optei por cursar jornalismo, imaginei dar visibilidade a quem muitas vezes é invisível para a sociedade. Muitas histórias acontecem bem próximas de nós. Foi assim que decidi fazer uma reportagem sobre as dificuldades que mães vivem para manter os filhos com autismo em escolas de Carapicuíba.
Esse tema é afetivo para mim e não poderia deixar de ser a primeira a ser contada nessa nova trajetória, como correspondente da Agência Mural.
A inspiração foi meu sobrinho, Marcus, um fã de super-heróis e cheio de questionamentos. Tenho acompanhado, desde os primeiros meses de vida, a saga enfrentada pela mãe dele, minha irmã.
Médicos, laudos e mais laudos. A exclusão no ambiente escolar e a falta de profissionais qualificados para acompanhá-lo nas aulas era uma rotina que se repetia. Ele estuda na mesma escola que eu estudei, aquela do início desse texto, a que tinha uma ‘sala especial’.
Sabia que a história dele não era isolada. Fui em busca de outras mães que enfrentavam uma realidade semelhante. Algumas não quiseram expor os problemas quando souberam que seria publicada em veículo de comunicação. E eu que considerava o Facebook obsoleto, entrei em diversos grupos do município, e por indicação cheguei até a Karina.
Para me encontrar no escadão que leva até a casa dela, Karina deixou Josué sob cuidados de uma vizinha. Desci e caminhei por um corredor com moradias de ambos os lados, na Comunidade do Veloso.
Durante a entrevista, ouvi relatos sobre o trinco adaptado para que Josué não consiga abrir o portão, sobre a seletividade alimentar, da angústia de não o mandar às aulas, com medo que ele pudesse se machucar novamente e de forma mais grave - certo dia ele chegou com machucados em casa e a sala dele fica numa área com uma escada.
Ouvi ainda, sobre o sonho de que um dia o menino, filho único, tivesse mais oportunidades.
No caso de outra mãe, Suellen, ela optou por conversar via mensagens, devido à chuva e frio que fazia na semana da entrevista. Por áudio ela detalhou a trajetória com Manuela, a filha do meio, que chegou a ter negada pela escola a chance de ter aulas ali - diziam não estar preparados para atendê-la.
Existe uma dualidade nessas histórias, de força e fragilidade. E cada uma delas me tocou de forma especial. Joana, Ruth, Suellen, Claudinéia, Karina, Isabel e Helena, contribuíram, cada uma à sua maneira, para que essa reportagem fosse potente.
Após a apuração junto a Secretaria Estadual de Educação, um cuidador foi enviado para a escola Maria Alice, para auxiliar três crianças da unidade.
Me senti feliz, porque atingi o meu propósito como interlocutora. Acredito que seja meu papel enquanto jornalista, ajudar a criar possibilidades de mudança. E pude perceber que não é utópico querer uma sociedade melhor e com mais direitos para todos nós, principalmente para quem mora nas periferias.
Como disse Lélia Gonzalez "[...] ir à luta e garantir os nossos espaços que, evidentemente, nunca nos foram concedidos".
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