Entidades defendem maior participação LGBT+ na política.
A data escolhida para ser um dia de luta contra a homofobia, organizações LGBT+ chamam atenção para a necessidade de maior representatividade dessa população nos espaços de poder, especialmente diante do cenário das eleições deste ano, quando serão renovados os parlamentos e os executivos estaduais e federal. A avaliação é que, apesar de as candidaturas terem ganhado força no último pleito, em 2020 elas ainda enfrentam obstáculos, deixando de fora dos espaços de decisão um segmento representativo da sociedade brasileira.
Nessa data (17 de maio), em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID). É importante lembrar que o termo já havia sido retirado do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) em 1973, portanto o 17 de maio demarca mais uma vitória na luta contra o preconceito e a discriminação contra a população LGBTQIA+. Contudo, apenas em 2019 a transexualidade é retirada da categoria de transtornos mentais. Pela nova edição da CID 11 ela passa a integrar a categoria de “condições relacionadas à saúde sexual” e é classificada como “incongruência de gênero”. Essas são conquistas importantes para a sociedade civil e que servem de orientação para o cuidado em saúde dessa população, inclusive para a Psicologia.
17 de maio é uma data de resistência!
A violência contra a população LGBTQIA+ ainda é um grave problema no Brasil. A ausência de estatísticas nacionais sobre esse tipo de violência — e que abarquem todos os Estados da federação — nos leva a ponderar sobre as dificuldades para a concretização da criminalização da LGBTfobia — que esbarra em barreiras que vão desde a ausência de protocolos para registro da violência até a falta de compreensão do que seriam essas violências por parte da sociedade civil e também do sistema judiciário.
Em consulta via Lei de Acesso à Informação (LAI), o Jornal Nacional solicitou aos 26 Estados e ao Distrito Federal a relação de ocorrências de LGBTfobia registradas em delegacias de 13/06/2019 (quando o Supremo Tribunal Federal decidiu enquadrar a LGBTfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo – Lei 7.716/1989) até 13/06/2020. Dos 27 Estados consultados, apenas 16 possuíam a estatística solicitada e 11 não conseguiram fornecer os dados solicitados. Os dados fornecidos somaram, naquele período, 161 ocorrências de homofobia e transfobia, excluindo demais condutas criminosas com motivação LGBTfóbica.
De acordo com o relatório anual de mortes relacionadas à violência LGBTfóbica elaborado pelo Grupo Gay da Bahia, em 2019 registraram-se 329 mortes, sendo 297 homicídios e 32 suicídios. Em 2018, foram registrados 420 óbitos (número composto por 320 homicídios e 100 suicídios) e, em 2017, 445 mortes (387 homicídios e 58 suicídios) — ano em que houve o maior registro de assassinatos de pessoas LGBTQIA+ desde o surgimento desse relatório em 1981. Em média, a cada 26 horas, uma(um) cidadã(o) LGBTQIA+ brasileira(o) morre de forma violenta vítima de homicídio ou suicídio, o que faz do Brasil o campeão mundial nessa categoria de crimes.
A produção do relatório é feita a partir de notas jornalísticas publicadas em jornais brasileiros e demais meios de comunicação, o que nos revela, mais uma vez, a subnotificação dos casos de violência.
LGBTfobia é crime no Brasil? E em outros países?
O processo de criminalização da LGBTfobia percorreu um longo caminho no Brasil. A homossexualidade deixou de ser crime no país em 1831, quando foi extinta a lei colonial que punia quem cometesse o “pecado da sodomia” — a punição prevista para quem infringisse tal lei era de que a pessoa fosse queimada e reduzida a pó para que “não houvesse memória” sobre aquele corpo.
Após longa e intensa mobilização de movimentos sociais, em 13 de junho de 2019 o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu enquadrar a LGBTfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo — Lei 7.716/1989. Além do Brasil, outros 42 países signatários da Organização das Nações Unidas (ONU) possuem legislações de proteção aos direitos das pessoas LGBTQIA+, prevendo responsabilização por ofensas e agressões.
Que dificuldades pessoas LGBTQIA+ encontram para denunciar crimes?
Muitas vezes, a pessoa LGBTQIA+ que sofre com violências LGBTfóbicas, sejam elas praticadas dentro do contexto familiar ou fora dele, ao tentar acessar os serviços de proteção, seja público ou privado (restaurantes, comércio), depara-se com a dificuldade de caracterizar a denúncia como LGBTfobia — o que resulta na subnotificação desses casos e falhas nos dados estatísticos. Frequentemente, os crimes cometidos são invisibilizados pelo órgão responsável em acolher as denúncias, como, por exemplo, a Delegacia da Mulher ou a Polícia Civil. Por vezes, as pessoas LGBTIs são culpabilizadas pela própria violência que sofreram, atitude que as conduz por um processo de revitimização.
No entanto, indica-se que a vítima persista em suas tentativas e busque ajuda em grupos, ONGs, equipamentos públicos, como o Ministério Público, Defensorias Públicas, ouvidoria. Isso é necessário para que as violências sofridas e a ausência de garantias de direitos sejam expostas. É necessário gerar incômodo! Como isso é um ato de resistência, não é fácil.
Como denunciar crimes de LGBTfobia?
Os crimes de LGBTfobia devem ser denunciados à Polícia Civil e, quando caracterizados por violência doméstica sofrida por mulheres LBTs que sofrem violência de parceiras(os) — ou mesmo de familiares—, tais casos devem ser denunciados na Delegacia da Mulher. Importante lembrar que mulheres cis e transexuais devem ter igual garantia de atendimento pela Delegacia da Mulher.
Caso a vítima encontre dificuldade em realizar o boletim de ocorrência e respectiva denúncia nas delegacias, deve-se informar tais dificuldades ao Ministério Público (MP), que também tem como função receber denúncias e fiscalizar órgãos públicos. As defensorias públicas também podem ser uma porta de entrada para buscar auxílio e encaminhamentos referentes a esses casos.
Procurar ONGs ou grupos de defesa de direitos da população LGBTQIA+ que possam acompanhar a pessoa na hora da denúncia tem se mostrado frutífero. No entanto, é necessário garantir que os órgãos competentes atuem conforme a lei exige.
Não há cura para o que não é doença: quais as implicações para a Psicologia?
A campanha “Não há cura para o que não é doença” foi criada em alusão à Resolução CFP nº 01/2018, que orienta profissionais da Psicologia a atuar, no exercício da profissão, de modo que as travestilidades e transexualidades não sejam consideradas patologias. Esta Resolução foi sancionada no dia da Visibilidade Trans em 29 de janeiro de 2018.
A Resolução determina que, em sua prática profissional, Psicólogas e Psicólogos devem atuar de forma a contribuir para a eliminação da transfobia. O documento orienta ainda que as(os) Profissionais não favoreçam qualquer ação de preconceito, nem se omitam frente à discriminação de pessoas transexuais e travestis. Na prática, a nova norma complementa a Resolução CFP nº 01/99, que previa apenas orientações sexuais fora do campo das patologias.
Tal Resolução foi importantíssima também para o processo de retirada na necessidade de judicialização da retificação de nome e gênero na certidão de nascimento. Em junho de 2018, em convergência com as decisões tomadas pelo STJ e mais recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 4.275), o então corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, publicou o Provimento 73, que dispõe sobre a averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoas transgêneros.
Ficou estabelecido que homens e mulheres trans, maiores de 18 anos, podem pedir a alteração do registro civil, adequando-o à identidade de gênero autopercebida, independentemente de autorização judicial prévia ou comprovação de cirurgia de adequação sexual.
O pedido de retificação registral de sexo e de mudança do prenome e imagem registrados na documentação pessoal pode ser feito diretamente nos cartórios de registro civil, não sendo necessária a presença de advogados ou defensores públicos. No entanto, as equipes multidisciplinares das defensorias públicas têm atuado para auxiliar na providência das documentações, inclusive com isenção de taxas — caso a pessoa se encaixe no critério socioeconômico.
O provimento ainda prevê que não há necessidade de laudo psicológico ou psiquiátrico para a requisição da mudança na documentação. Além disso, como citado acima, também não é necessário comprovar a realização de cirurgia de adequação sexual. Ter uma lei que garanta a autodenominação do sujeito é, em si, uma grande vitória! No entanto isso não exime o sujeito de sofrer LGBTfobia ao tentar acessar seus direitos, por isso a relevância de procurar ajuda para que sejam todos garantidos e que outras pessoas não passem mais por essas violências que vem pelas instituições.
Foto: Cartaz / Divulgação