Quando o agente de pesquisas e mapeamento do IBGE Miguel Ferreira Neto começou a trabalhar no Instituto há um ano e oito meses, o cenário do seu trabalho era completamente diferente. Ele ia a domicílios previamente selecionados para fazer entrevistas presenciais acerca do mercado de trabalho. Mas desde março de 2020, por causa da pandemia de Covid-19, a coleta da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) passou a ser feita por telefone.
A decisão do Instituto buscava garantir a segurança dos entrevistadores e dos informantes. No entanto, desde que o trabalho está sendo feito de casa, os desafios na coleta aumentaram. O principal deles tem sido conseguir os números de telefone dos moradores dos domicílios selecionados. Para reverter esse quadro, o IBGE tem enviado cartas, via Correios ou portador, e telegramas aos informantes, solicitando que entrem em contato com o Instituto e forneçam o número atualizado. Nesse momento de pandemia, o IBGE precisa do auxílio desses informantes para que, ao responderem essas cartas, a entrevista possa ser realizada.
"A coleta de informações para a PNAD Contínua está um pouco mais complexa que o esperado, porque a gente enfrenta muita dificuldade para conseguir entrar em contato com o domicílio selecionado. Uma parcela dos telefones que temos no Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos já foi trocada e ainda não recebemos o número novo”, diz Miguel, que trabalha em Porto Velho, Rondônia, em uma das 564 agências do IBGE espalhadas pelo Brasil.
De acordo com ele, também houve aumento das recusas em relação à coleta presencial. “Quando você está na rua, você está testa a testa com o informante e fica mais simples explicar e tentar convencer a pessoa a responder a pesquisa. Então, tínhamos muitas quebras de recusas. Já por telefone, é mais fácil de a pessoa te dispensar”, afirma.
Ao ser abordado por telefone por um entrevistador do IBGE, o informante pode solicitar o número do RG, CPF ou da matrícula do agente e checar a identidade por meio do portal respondendo ao IBGE e também pelo telefone 0800 721 8181.
A rede de coleta da PNAD Contínua conta com cerca de dois mil pesquisadores que trabalham em aproximadamente 70 mil domicílios por mês em todas as unidades da federação. Segundo o coordenador estadual da pesquisa em Minas Gerais, Gustavo Geaquinto, quando a coleta por telefone foi implementada, houve capacitação dos agentes para que eles abordassem adequadamente o informante. Uma vez que o contato é feito, ainda de acordo com ele, o número de recusas é baixo.
“No entanto, por questão de segurança, algumas pessoas ficam inseguras de passar informação por telefone, até por conta de golpes que existem. Então os servidores são orientados a explicar sobre o sigilo das informações e as formas que o informante tem na verificação de sua identidade junto ao IBGE. É possível verificar a identidade do entrevistador, se de fato ele trabalha para o IBGE e não é um golpe”, ressalta o coordenador.
Geaquinto ainda destaca que as informações prestadas ao IBGE são utilizadas exclusivamente para fins estatísticos, sem qualquer possibilidade de identificação individualizada do informante. Isso é assegurado pela Lei 5.534, de 1968, que garante o direito de sigilo estatístico do cidadão, além de seu dever de prestar informações estatísticas ao IBGE.
De acordo com Geaquinto, por causa da pandemia de Covid-19, a PNAD começou a ter percentuais de não resposta (entrevistas não realizadas) mais elevados do que o esperado. Enquanto a pesquisa era feita de forma presencial, o aproveitamento da amostra era cerca de 90%. Com a coleta por telefone, esse índice passou para 60% em média.
A coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE, Maria Lucia Vieira, diz que, apesar da queda no aproveitamento da amostra, o rigor estatístico está mantido. “Os dados ainda estão bons, são significativos, mas quanto mais entrevistas realizadas, melhor. Esses dados são muito importantes para que se possa ter um acompanhamento do mercado de trabalho, especialmente nessa época de pandemia. A informação é necessária para que se possa fazer um correto diagnóstico da situação laboral no Brasil e implementar as políticas que são adequadas para promoção de empregos”, explica.
A analista da PNAD Contínua, Adriana Beringuy, também ressaltou a importância da pesquisa. "Nós produzimos uma informação que é muito desejada pela sociedade. Temos que entender que somente vamos ter essa informação na medida em que atenderem aos nossos entrevistadores. Somente por meio do depoimento e informações prestadas por cada um dos informantes é que a gente pode oferecer isso. É um grande desafio, mas temos ciência de que nosso trabalho é extremamente fundamental, sempre foi, tanto em tempos de normalidade sanitária como agora nesse período em que a economia e o mercado de trabalho em particular têm sido tão afetados pela pandemia".
Dificuldade na obtenção de números de telefone
Pela metodologia da pesquisa, a cada trimestre, há 20% de novos domicílios entre os selecionados. Quando a coleta era feita de forma presencial, o agente solicitava o número dos informantes já na primeira visita, mas com o primeiro contato sendo feito por telefone, a falta dos números cadastrados tem sido o principal problema enfrentado.
“Entre as atividades que a gente realiza estão a tentativa de obter o número de telefone da base de terceiros, por meio de parcerias e parear com as do IBGE e o envio de cartas e telegramas [para solicitar o número de telefone aos informantes]”, afirma o chefe da unidade estadual de Pernambuco, Gliner Alencar.
De acordo com ele, o trabalho hoje em dia exige mais perseverança. “O entrevistador acorda com o telefone e fica tentando várias vezes em dias e horários diferentes para ver se em um determinado momento aquele telefone atende, pega sinal e assim ele consegue o contato com o informante. Quando consegue o contato, a aceitação - até mesmo pela abordagem da nossa equipe - é relativamente alta, mas nem sempre a gente consegue fazer com que o informante atenda”, diz o pesquisador.
Esse esforço para obter os números de telefone atualizados tem sido o cotidiano de todos os agentes que trabalham na PNAD Contínua. Irineuda de Oliveira, agente de pesquisa da agência de Limoeiro do Norte no Ceará, conta que busca diferentes fontes para conseguir esse contato, inclusive contando com a ajuda dos antigos informantes. “Dependendo do setor entramos em contato com o agente de saúde ou analisamos a localização do domicílio e ligamos para antigos informantes que nos auxiliam a chegar aos novos moradores”, relata.
Conquistar a confiança e a empatia do informante também faz parte dessa rotina, que auxilia muito no desenvolvimento do trabalho. “Rompida essa primeira barreira, já aviso em quais meses entrarei em contato novamente. Como ligamos cinco vezes para os selecionados, em alguns casos, acabamos criando um vínculo com essas pessoas, que se dispõem a nos ajudar nesse período que não podemos ir a campo”, conta Irineuda.
Para o diretor de pesquisas do IBGE, Cimar Azeredo, o esforço dos agentes tem sido imprescindível na época em que o Instituto teve de se adaptar a uma nova rotina de trabalho. "Sem eles, não teria a apresentação sobre carteira de trabalho, aumento da população ocupada, taxa de desocupação. Perderíamos completamente a bússola, o rumo. Como um gestor público poderia fazer política pública sem ter a PNAD Contínua? É impossível fazer isso”, afirma.
Ele ressalta que o período em que as medidas de isolamento social foram adotadas também foi uma época de aprendizado para os pesquisadores. “A despeito de tudo que essa pandemia está trazendo de ruim, em termos profissionais, a gente está aprendendo muito com ela. A gente precisa manter a PNAD Contínua e, para manter essa pesquisa, a gente precisa da ajuda do informante”, completa.
Mudança na estratégia de coleta
O chefe da unidade estadual de São Paulo, Francisco Garrido, conta que foi necessário muito empenho da rede de agências para mudar a estratégia de coleta. “Esse esforço redobrado continua até hoje, agora de forma mais orientada e estruturada, para manter uma performance que garanta a continuidade da pesquisa, com qualidade e respeito aos prazos, contra todos os desafios diários desse relacionamento virtual, com superações de muitos obstáculos e utilização de alternativas, visando dar cumprimento à missão institucional e manter um relacionamento positivo com os informantes”, afirma.
Garrido ressalta a importância dos agentes na realização das pesquisas do IBGE. “Muitas vezes as pessoas não associam aquelas matérias do IBGE, que são divulgadas quase todos os dias, em muitos veículos e mídias sociais, grandes, médios e pequenos, em todos os municípios do Brasil, com aqueles valorosos entrevistadores que estão realizando as ligações diárias para obtenção das informações estatísticas. Sem a captação desses dados, o IBGE não conseguiria manter a realização das suas pesquisas e muito menos cumprir a sua missão institucional”, afirma.
Trabalhar de casa também traz outros desafios aos pesquisadores. Além do contato com os moradores, o trabalho remoto exige o constante equilíbrio entre a jornada de trabalho e a dinâmica do dia a dia na casa. Raimundo Neto, agente de pesquisas da agência de Itapipoca, no Ceará, conta que a rotina começa logo cedo, com as tarefas de casa, seguidas das atividades relacionadas à pesquisa.
“Começo a trabalhar definindo os telefones que entrarei em contato, de acordo com minha planilha de acompanhamento, e então começo a fazer as ligações. Por não ter um local específico para o trabalho em casa, vez ou outra sou interrompido por uma de minhas filhas, mas nada que comprometa as entrevistas”, diz.
O agente Miguel Ferreira Neto lembra que, apesar das dificuldades enfrentadas no dia a dia do trabalho, é preciso valorizar os informantes. “Temos que agradecer aos informantes que nos atendem bem. Já tivemos caso da pessoa que trocou de número de telefone e nos informou imediatamente. É com essas pessoas que a gente consegue fazer um demonstrativo correto do que está acontecendo com a população da região”, diz.
Para Francisco Garrido, é preciso conscientizar a população de que o sucesso das divulgações dos dados do IBGE depende, fundamentalmente, de que as pessoas atendam aos colaboradores do Instituto por telefone. Sem esse atendimento, pesquisas domiciliares como a PNAD Contínua não seriam possíveis.
“Entendemos que a PNAD Contínua é o maior levantamento domiciliar regular e constante realizado no país, mediante uma amostra bastante robusta, capaz de apresentar informações fidedignas sobre a força de trabalho e outras informações relevantes e necessárias para o acompanhamento e estudo da situação socioeconômica no curto, médio e longo prazos, inclusive com a inserção de investigação sobre temas suplementares”, diz Garrido.
A PNAD Contínua é uma pesquisa domiciliar que produz informações para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil, realizando uma investigação contínua dos indicadores conjunturais de trabalho e rendimento. É considerada o principal instrumento para acompanhamento da força de trabalho no país. Sua periodicidade de coleta é trimestral e cada domicílio selecionado na sua amostra é entrevistado uma vez a cada trimestre, durante cinco trimestres consecutivos.
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