Dr. René Dentz – Psicanalista e Professor Universitário
Nossa memória é marcada por momentos diversos vivenciados ao longo de anos. Alguns desses eventos são lembrados, outros não. O leitor mesmo pode agora facilmente acessar memórias boas e ruins, momentos que geram saudade e outros que geram tristeza. É o caminho da nossa existência.
De fato, o momento em que estamos vivendo pode ser lembrado a partir de ângulos diferentes, evidentemente no esquecendo do enorme sofrimento que muitas famílias estão vivendo, com perdas e luto. O distanciamento tem no seu maior desafio a falta de contato com pessoas, seus olhares reais, suas boas afetações. Somos muito mais afetados por fatores externos bons do que ruins. Como tenho dito, a forma de viver o isolamento social depende muito de diversos fatores da vida de cada um, sobretudo relacionados às condições psíquicas prévias.
No entanto, há um ponto que gostaria de destacar. Muitas famílias estão tendo a oportunidade de viver experiências nunca experimentadas de uma forma tão intensa. Uma delas é de acompanhar de tão perto a educação formal dos filhos, seu ambiente escolar. Dessa forma, alguns pais têm a chance única de viver momentos de aprendizagem, frustrações, conquistas e desafios de forma tão próxima. Não tenho dúvida de que esses momentos serão lembrados pelos filhos como momentos de proximidade, dificilmente serão momentos esquecidos, com significado menor. E isso não é pouco! Ter boas memórias pode nos salvar, constituir parte de nossa felicidade (assim como as memórias traumáticas são impeditivos). Além disso, é da nossa memória que encontramos fontes de inspiração, criação e inovação.
Boa parte dos elementos mais fundamentais à constituição da personalidade pode ser intensificada agora. Por exemplo, agora é um bom momento para a maior compreensão do universo dos filhos, de suas brincadeiras, seus jogos, seus gestos e até mesmo suas emoções. Se a quarentena representa para muitos desaceleração, poderíamos qualificar ou resgatar alguns aspectos ou dimensões fundamentais da nossa vida e daqueles que estão mais próximos. As nossas relações familiares podem ser mais refletidas, elaboradas e qualificadas!
Uma pesquisa recente mostrou que as empresas no Brasil pretendem manter 30 por cento de seus funcionários em modelo remoto. De fato, muitas atividades podem continuar sendo exercidas dessa forma. Isso pode inclusive significar mais tempo, menos trânsito, maior possibilidade de conexões entre todos, por mais paradoxal que possa parecer. O fato é que precisaremos, de igual modo, ressignificar nossos espaços, nosso lazer, nosso trabalho. Nossa casa, mais do que nunca, torna-se um lugar importante para nossa vida, não apenas um local de descanso.
Em relação à educação também haverá grande impacto. As escolas necessitarão, a partir de agora, encontrar caminhos de integração entre o real e o virtual. Esse último não poderá ser mais visto como mero complemento de aprendizagem, mas como elemento central nesse processo. As conexões poderão ser expandidas e o aprendizado poderá alcançar níveis mais complexos em um mundo cada vez mais complexo. O desafio será formar os profissionais da educação a partir de dois pilares de forma aprofundada: tecnologia e conhecimento crítico. Mas isso é assunto para próximas colunas...
Foto: Arquivo / Panfletu´s