Uma ótima oportunidade de debater com alunos e alunas temas relacionados à democracia e cidadania acontece em ano de eleições, sejam elas locais ou nacionais. Muito do que consta nas páginas dos livros e nas exposições dos professores está ocorrendo ao vivo e a cores em todo o País, e a chance de se realizar atividades nessa temática normalmente não é desperdiçada no projeto político pedagógico das escolas.
No entanto, com a proliferação das redes sociais, nenhuma discussão didática deveria ignorar as novas estratégias de campanhas eleitorais que se disseminaram nos últimos anos. Afinal, somos o País mais propenso do planeta a acreditar em conteúdos falsos e mentirosos — a constatação é do estudo “Global Advisor: Fake News, Filter Bubbles, Post Truth and Trust”, do Instituto Ipsos, realizado em 27 nações.
Tal afirmação não é tão absurda quando paramos para pensar no pleito presidencial de 2018, que foi marcado por um ambiente de profunda polarização política e distribuição massiva de boatos e informações falsas (as chamadas “fake news”) nas plataformas digitais. Dados do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), da Universidade de São Paulo (USP), revelaram que, somente em junho passado, cerca de 12 milhões de brasileiros compartilharam mensagens desse tipo.
Outro levantamento, liderado pela Transparência Internacional, mostrou que 82% dos brasileiros acreditam que as últimas eleições foram influenciadas por esses conteúdos “fake”. O alto índice poderia indicar um quadro otimista, no sentido de que os eleitores se mostraram precavidos em relação à qualidade e veracidade do que consomem nas redes sociais.
Entretanto, é perceptível que os desafios ainda são imensos e, dado tal cenário, o que se espera da disputa eleitoral deste ano não é muito diferente do que vimos. Ao contrário: esse contexto de acirramento ideológico e desinformação tende a se mostrar bastante pulverizado, uma vez que as votações de outubro serão municipais, o que significa que teremos mais de 5.500 campanhas ativas somente para prefeituras. O alerta é da ONG SaferNet Brasil, entidade que se dedica à segurança e ética no mundo digital.
Como os prognósticos não são muito positivos e o combate às mensagens falsas e nefastas é quase um “trabalho de formiguinha”, é importante que as crianças e jovens façam essa reflexão desde cedo. Afinal, o que está em jogo aqui são valores democráticos e cidadãos, elementos intrínsecos à missão da escola.
Sabemos que, no que tange ao ensino e à aprendizagem das ciências humanas, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) preza pela valorização e fortalecimento dos direitos humanos, pelo respeito à diversidade cultural, pela conscientização sobre as desigualdades sociais e pelo incentivo à participação social e à cidadania. A base também enfatiza o desenvolvimento de uma postura empática e tolerante e a construção de um pensamento crítico e analítico sobre as mudanças históricas e geográficas ao longo dos tempos.
Assim, a compreensão de que a desinformação é um desafio à democracia precisa fazer parte da vida de alunos e alunas, e essa reflexão pode ser encorajada pelos educadores de diversas maneiras. Uma possível proposta, por exemplo, é dividir a turma em grupos e pedir para que eles criem um candidato fictício e sua respectiva campanha, usando uma rede social onde seja possível montar um grupo fechado — como é o caso do Facebook, por exemplo, já que uma página aberta ao público além da escola pode confundir internautas.
Os dados usados para a construção do “plano de governo” devem ser pesquisados pelos estudantes, o que estimula a busca em fontes confiáveis e o contato com temas sociais de interesse público. Ademais, o uso de notícias e reportagens locais que mostrem a situação dos sistemas de educação, saúde e segurança do município é uma maneira de incluir o campo jornalístico-midiático da BNCC na atividade.
Outra possibilidade é usar o material pesquisado para realizar uma sabatina com os candidatos fictícios, tanto para prefeituras como para câmaras municipais, simulando coletivas de imprensa e fazendo com que os alunos se engajem na interpretação desses personagens. Dessa forma, eles dominam os dados das suas proposições para a melhoria da cidade e têm contato com a perspectiva midiática por meio da atividade jornalística
Além disso, discutir em sala de aula o conteúdo do Twitter ou Facebook dos candidatos reais é uma boa sugestão para acompanhar as propostas sobre um determinado tema de interesse da turma, como políticas públicas referentes a lazer, esportes e cultura, por exemplo.
A análise de memes políticos também é uma opção e pode ser realizada inclusive com imagens que viralizaram em eleições internacionais. Os Estados Unidos são um bom exemplo, pois enfrentam o mesmo cenário de desinformação política há mais tempo do que nós, brasileiros e brasileiras, o que pode motivar, inclusive, a aprendizagem do inglês. Os memes são relevantes porque trazem o debate em torno da interpretação da intenção, autoria e contexto de uma mensagem, habilidade importantíssima para a vida no mundo conectado.
Por fim, vale lembrar que é possível encontrar bastante material multimídia no site e nas redes sociais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que lançou em 2019 o Programa de Enfrentamento à Desinformação justamente com foco nas eleições deste ano. Muito do que está disponível pode ser aproveitado pelos professores.
É claro que trabalhar pedagogicamente o tema eleições requer certos cuidados, especialmente por conta da já mencionada conjuntura polarizada em que nos encontramos. Mas a primazia do diálogo deve ser sempre o foco da escola. O estímulo à vivência sadia no contexto digital não pode ignorar grandes acontecimentos de um País, como é o caso das disputas eleitorais. Trazer o tema para a sala de aula com o foco em educação midiática é a melhor maneira para formarmos cidadãos livres e aptos a fazerem escolhas conscientes, incluindo as políticas.
Foto: Cartaz / Eleições