Sob a bandeira do combate à corrupção e com a missão de fazer as mudanças necessárias para eliminar de vez essa grande trava ao desenvolvimento, o novo governo assumiu o poder. No entanto, já estamos nos primeiros dias de 2020 com uma sensação que pode ser descrita parafraseando “O Leopardo”, do escritor italiano Tomasi di Lampedusa: tiveram mudanças, mas apenas para que tudo continuasse igual.
Rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira), o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que analisa movimentações de dinheiro suspeitas e é um instrumento importante no combate aos crimes de colarinho branco, ficou sob o guarda-chuva do Banco Central —e isso enfraquece a política para enfrentá-los. Pois, no apagar das luzes de 2019, no dia de Natal, foi sancionado o projeto anticrime (lei 13.964). A nova legislação, se traz algum avanço ao combate à criminalidade de rua, carrega consigo, no entanto, importantes retrocessos na repressão à corrupção.
Existem conquistas, como o tratamento penal e processual aos crimes violentos que resultam em morte, o acordo de não persecução penal e civil e o fortalecimento do sistema acusatório e do Ministério Público (que passa a ter o controle dos arquivamentos de inquéritos policiais). Outras são a vedação ao curso da prescrição nos tribunais superiores e as limitações impostas à execução penal. Todas essas mudanças, e a lista não é exaustiva, são muito bem-vindas e atendem ao objetivo de tornar mais eficaz o combate à impunidade.
Os criminosos de colarinho branco, contudo, ao que parece, podem comemorar a sanção da nova lei. A colaboração premiada, instrumento fundamental para se alcançar a punição de crimes, como corrupção e lavagem de dinheiro, foi fortemente atingida. A regra engessa a negociação da colaboração, ao proibir as negociações de regime prisional e de sua progressão. Isso deverá acarretar uma redução de seu uso.
A exigência de que já no início do processo se pleiteie o confisco alongado de bens também inviabiliza esse instrumento de apreensão de patrimônio incompatível com a renda. Afinal, nesse momento, em regra, não se tem ainda conhecimento da quantia que foi desviada.
O juiz das garantias, que poderia ser um avanço no sistema de Justiça brasileiro, foi criado de modo açodado, para ser implantado em 30 dias. Detalhe: para 40% das comarcas brasileiras existe apenas um juiz de direito em cada. A nova figura jurídica impõe custos extraordinários e torna mais lento o acesso a um dos mais importantes pilares do Estado democrático de Direito: a Justiça.
Faltou, como sempre, um debate mais amplo com a sociedade e com os principais atores do sistema. Desperdiçou-se a oportunidade para uma reforma mais profunda no sistema processual penal, que conferisse maiores celeridade e capilaridade à Justiça Penal.
Ainda que a frase de Lampedusa, mesmo tendo sido escrita há mais de 60 anos, pareça cada vez mais uma descrição adequada do que se vê na política e na Justiça neste início de século 21, ao Ministério Público incumbe, não obstante todas as dificuldades, seguir engajado no enfrentamento à criminalidade. Está é a sua principal bandeira e a sua missão constitucional.
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